“Todos contra todos: O ódio nosso de cada dia” – por Marcos Tomé

É um livro onde podemos encontrar um mix de reflexões que consideram fatos atuais, trazidos através de diversos ângulos.

Número de páginas: 144. Ano de lançamento: 2017. Gênero: não ficção/história do Brasil. Editora Leya.

Tenho constatado uma certa incoerência, no que se refere ao uso do tempo neste de distanciamento social, por conta da pandemia. Por incrível que pareça, para muitos, o tempo é curto em se tratando de aproveitá-lo para muitas coisas, inclusive, claro, para a leitura. Porém essa realidade, com esse “novo normal”, está se reestruturando aos poucos. E aquele tempinho reservado para a leitura deve permanecer sempre.

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Outra coisa que reforça esta relação entre tempo e leitura é que a oferta de livros parece ser proporcional ao surgimento dos fatos – e estes não param de acontecer. De outra forma, podemos até dizer que os livros, dividindo espaço com os textos jornalísticos e outros tantos gêneros, surgem em decorrência dos inúmeros acontecimentos sociais que, obviamente, lhes servem de inspiração para que estes fatos cheguem até nós, de forma diferente. Diferente, levando em consideração a televisão, os blogs, as redes sociais. E haja fôlego para ler tanta coisa, não é mesmo?

Considerando esta breve reflexão, trago esta dica de leitura: Todos contra todos: O ódio nosso de cada dia, do filósofo e professor Leandro Karnal. De preço bastante accessível, variando entre 10 e 15 reais em uma das livrarias virtuais mais conhecidas atualmente. Neste livro, Leandro Karnal combina as características que o transformaram em um dos historiadores e pensadores mais populares do Brasil: erudição e leveza, profundidade e humor. O autor é um dos atuais responsáveis por aproximar a filosofia para pessoas que até então a enxergavam como algo inalcançável. É cada vez mais comum encontrarmos, além dos inúmeros títulos já publicados, muitos vídeos redes sociais. Todos com a preocupação de nos ajudar a decifrar o indecifrável ou a enxergar além do óbvio.

“Os números de mortes no trânsito do Brasil são de fazer inveja a muita guerra. E aparentemente isso não nos choca. Temos um dos trânsitos mais violentos do planeta.” (p.48)

É um livro onde podemos encontrar um mix de reflexões que consideram fatos atuais, trazidos através de diversos ângulos: histórico, social, filosófico, político, antropológico e tantos outros. A estrutura segue este modelo: entre o Prólogo” e os “Agradecimentos”, Karnal nos apresenta os seguintes textos: O paraíso pacifista, Somos todos racistas?, A violência nossa de todos os dias, Tudo começou em nós mesmos, O amor contra o dragão da maldade e da inveja, A globalização não aumentou o ódio, A internet facilita a vida de quem odeia, A violência política, Duas soluções: coerção e consenso.

“O nazismo funciona do mesmo modo que a escravidão: uma parte se aproveita de um sistema, uma maioria é conivente e uma minoria constitui o grupo de resistência.” (p. 27)

Três palavras descrevem rapidamente a essência deste livro: polêmico, provocativo e instigante. Os textos que o formam giram em tordo da afirmação de que o ódio é um dos espelhos mais poderosos para olharmos o nosso próprio rosto. Que a maldade é tão próxima do ódio quanto da inveja. Em tempos de xenófobos, misóginos e homofóbicos, o autor nos mostra que a história e a realidade revelam um lado sombrio do brasileiro que costumamos não reconhecer. Somos, sim, violentos no trânsito, nas ruas, nos comentários das redes sociais e fofocas nas esquinas. Igualmente somos violentos ao torcer por nosso time e ao votar; somos violentos em nosso dia a dia, das formas e por motivos mais variados e até mesmo fúteis possíveis.

“O contato com o outro mostra muito a nossa incapacidade de viver com a diversidade e de achar um fundamento de identidade na violência e na explosão.” (p.104)

O livro escancara a polêmica das palavras agressivas, a natureza das reações raivosas dirigidas ao outro e o porquê de escondermos de nós mesmos as pequenas e grandes maldades do dia a dia. Leandro Karnal coloca-se como aquela pessoa que age como professor, como palestrante, como orientador e até como conselheiro, discorrendo de forma esclarecedora sobre assuntos da nossa atualidade. Constatações fortes, muitas vezes frustrantes e assustadoras, porém com algumas doses de ironia. É isto o faz dessa leitura algo bastante prazeroso. É aquela conversa com o(a) leitor(a), em tom de partilha. Então, vale a pena conferir!


Por Marcos Tomé – Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.
Marcos Tomé
Marcos Tomé
Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.

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