Procuradores da força tarefa da “lava jato” e jornalistas do site O Antagonista mantiveram relacionamento profissional “promíscuo”. A informação é do site The Intercept Brasil e foi publicada nesta segunda-feira (20), em mais uma das reportagens da série “Vaza Jato”, feita pelo veículo em parceria com Folha de S.Paulo, El País, Bandnews FM, Veja, BuzzFeed News, Agência Pública e UOL.
Segundo a reportagem, procuradores da força tarefa “agiram politicamente”, usando como “porta-voz” o site O Antagonista, do qual fazem parte os jornalistas Diogo Mainardi, Mario Sabino e Claudio Dantas. As afirmações foram feitas com base em diálogos obtidos pela equipe do Intercept.
Para a publicação, as conversas tornadas públicas nesta segunda deixam claro que “a ‘lava jato’ e O Antagonista se veem como parceiros”.
Houve relacionamento promíscuo, segundo a reportagem, porque integrantes da força-tarefa solicitaram aos jornalistas a não publicação de algumas notícias, pedido que foi acatado.
A relação privilegiada entre ambos também se verificou porque os jornalistas consultaram os procuradores para saber que candidato a procurador-geral da República (PGR) eles estavam apoiando.
Além disso, jornalistas do site também sugeriram a procuradores, com base em boatos, que investigassem fatos que pudessem atingir o PT. Foram atendidos, ao menos inicialmente, afirma a reportagem.
Pedido de não publicação
No final de 2015, O Antagonista estava publicando notícias que colocavam empresas offshore no rol de suspeitos da “lava jato”. Tratava-se de um vazamento de inquéritos em andamento na Polícia Federal.
O escritório de advocacia Mossack Fonseca estaria por trás da abertura dessas empresas, no Panamá.
Segundo o The Intercept, horas depois da publicação de uma reportagem sobre as offshore, Dallagnol escreveu a Mainardi solicitando a suspensão das publicações.
O pedido do procurador foi que, “por um bem maior do resultado do caso e em benefício do interesse social da investigação”, as informações fossem “suspensas”.
Caso o pedido fosse atendido, Dallagnol prometia passar informações exclusivas ao jornalista. “Januário [o procurado Januário Paludo] lhe fornecerá, assim que possível, informações sobre esse assunto de modo prioritário se você puder segurar essas informações, como uma forma de agradecer sua contribuição com o caso”, escreveu Dallagnol.
Atendendo ao pedido, O Antagonista não publicou nada a respeito da Mossack Fonseca até 26 de janeiro de 2016, quando estourou a 22ª fase da “lava jato” — que mirava o escritório e o apartamento vizinho ao tríplex de Lula. Foi nessa data que a “censura” pedida por Dallagnol, e acatada pelo site, deixou de existir.
Eleição do PGR
Em 13/2/17, dias antes de a Associação Nacional dos Procuradores da República eleger os candidatos a comporem a lista tríplice para o cargo de PGR, Dallagnol escreveu a seu colega Carlos Fernando dos Santos Lima, decano da operação, a respeito de um “off imenso”.
A notícia sigilosa se referia a uma consulta feita a Dallagnol por Claudio Dantas, de O Antagonista. O jornalista queria saber quem a força-tarefa estava apoiando para o cargo de PGR.
“Claudio Dantas, do Antagonista, quer saber quem a FT [força tarefa] gostaria que fosse o próximo PGR, mesmo que sem apoio formal, público”, escreveu Dallagnol a Lima, segundo o The Intercept.
Contudo, pelas informações divulgadas na reportagem, não é possível afirmar se o site O Antagonista pretendia atuar como “porta-voz” da “lava jato” ou se Dantas estava apenas tentando apurar se os procuradores estavam em campanha por este ou aquele candidato.
PT na mira
Em outro caso, os diálogos sugerem que a “lava jato” acreditou num boato repassado por Claudio Dantas para pedir aos procuradores a quebra do sigilo fiscal de uma nora do ex-presidente Lula em 2016.
Tudo sem autorização judicial. Para isso, os procuradores acionaram informalmente um contato na Receita Federal. Nada foi encontrado contra ela, que jamais foi indiciada ou acusada de crimes.
A ConJur já havia noticiado o episódio, divulgado originalmente pela Folha de S. Paulo.
Para o criminalista Wellington Arruda, a conduta, a princípio, poderia hoje ser configurada como crime, de acordo com a lei de abuso de autoridade (Lei 13.869/19). “O Procurador da República buscou, ao acatar o ‘pedido/dica’, agir no interesse pessoal e não no interesse público, o que, ao nosso ver, se enquadraria facilmente na nova lei de abuso de autoridade, exceto se tivesse recebido do jornalista material capaz de demonstrar alguma materialidade delitiva e indícios de que o investigado tivesse algum envolvimento”, afirma.
Vale lembrar, de todo modo, que, à época dos fatos, a lei ainda não estava vigente.
Além disso, em outro episódio, Mainardi chegou a dar conselhos à força-tarefa, recomendando uma linha de investigação. Em novembro de 2015, ele sugeriu a Dallagnol que buscasse pelo nome de “uma certa Marcia Ferreira”, que dizia ser um elo entre o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, à época já condenado pela “lava jato”, e gráficas sob suspeita de ligação com o partido.
Dallagnol, contudo, não atendeu à sugestão: “Não podemos infelizmente começar uma investigação do nada em um local diferente da gráfica, sem que algo da lava jato nos leve ao fato”.
Contextualização
A reportagem desta segunda do The Intercept Brasil é mais um capítulo dos atritos entre o veículo, a “lava jato” e o próprio ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro.
Nesta segunda, o ministro foi entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura. O jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, não foi convidado para compor a bancada de entrevistadores, o que não agradou ao veículo.
Foi após esse episódio que o site de Greenwald divulgou a reportagem na qual o site O Antagonista é citado, assim como os nomes dos profissionais envolvidos.
Em matérias anteriores, o The Intercept optou por não revelar a identidade de profissionais da imprensa envolvidos em diálogos da “vaza jato”.
Além disso, é preciso que os novos diálogos revelados sejam contextualizados e bem analisados, pois, no relacionamento entre fonte e jornalista, as apurações feitas pelos profissionais de imprensa podem ser realizadas de maneira pouco direta e clara.
Assim, o diálogo com a fonte, se retirado desse contexto, pode ser mal interpretado, risco corrido pelo The Intercept ao publicar a reportagem desta segunda.