E se, de repente, nossa família fosse obrigada a se separar, fugindo de uma perseguição, lutando para sobreviver? Detalhe: sem nenhuma garantia de um reencontro ou, até mesmo, de sobrevivência.
Isto é o que serve como impulso para o que é narrado em “Os meninos que enganavam nazistas”. O livro foi escrito em 1973 com Patrick Cauvin (pseudônimo de Claude Klotz) e se tornou um best-seller, com 20 milhões de cópias vendidas em vinte países.
Na França, também foi estudado na escola por várias gerações de jovens. Uma fantástica e emocionante epopeia de duas crianças judias durante a ocupação, relatada por Joseph, o mais jovem.
A história se passa em Paris, 1941. Joffo, um cabeleireiro de sucesso antes de se tornar um escritor aclamado, narra em seu famoso trabalho como ele fugiu dos nazistas com seu irmão Maurice. O país é ocupado pelo exército nazista e o medo invade as casas e as ruas francesas. O poder de Hitler se mostra absoluto e brutal na França.
Joseph narra sua infância a partir da fuga da Gestapo. Ele, seus pais (um cabeleireiro e uma violinista) e os três irmãos mais velhos vivem juntos, onde a família é dona de uma barbearia. Joseph Joffo, 10 anos, e Maurice, 12, são sapecas e começam a história tirando sarro dos alemães, não sabendo a real dimensão do perigo a ser enfrentado.
É durante um dos períodos mais turbulentos da História que a emocionante narrativa se desenrola. Irmãos judeus, eles perambulam sozinhos pelas estradas, vivendo experiências surpreendentes, tentando escapar da morte e em busca da zona livre para ganhar a liberdade. Como lembra o próprio autor em um dos seus trechos: “O ser humano tem uma faculdade de adaptação que lhe permite superar situações impossíveis.”
Essa é uma história real, autobiográfica, cuja espontaneidade, ternura e humor comprovam o triunfo da humanidade e da empatia nos momentos mais sombrios, quando o perigo está sempre à espreita.
Joffo viveu uma infância feliz até a Ocupação. Durante vários anos, os dois irmãos conseguiram sobreviver aos nazistas, escapando por pouco da deportação quando foram detidos pela Gestapo. Seu pai não sofreu o mesmo destino: enviado para Auschwitz, nunca retornou. Sobre esta barbárie imposta aos judeus e outras minorias, o narrador diz que “O crime era tão enorme, tão colossal, tão absurdo, que, depois da libertação dos campos de concentração, o mundo inteiro ficou estupefato de dor e de vergonha.”
Uma parte do livro que me chamou a atenção foi o “posfácio” (adendo, explicação ou advertência colocados no fim de um livro, depois de pronto). Com o título “Diálogo com meus leitores”, encontramos nesta parte do livro mais esclarecimentos a respeito de algumas curiosidades da narrativa, alguns questionamentos feitos por leitores e participantes em algumas palestras dadas pelo autor, após a leitura.
O livro foi tema de duas adaptações cinematográficas, a primeira de Jacques Doillon em 1975, logo após sua publicação, e a segunda em 2017 pelo cineasta canadense Christian Duguay. Interrogado sobre a primeira versão do filme, pois algumas coisas não estavam de acordo com o livro, Joffo responde que ele não tinha experiência nenhuma em relação às adaptações cinematográficas, tampouco colaborou na construção do roteiro. Ao ver algumas cenas, depois de muitos convites, o filme já estava quase pronto.
Aos que preferem a telinha, ao livro, um aviso: o livro, por se tratar do gênero autobiografia, é riquíssimo em detalhes e uma verdadeira aula de História. Tem um ritmo fluido, fazendo com que o leitor, sem interrupção, percorra cada página, avance em cada capítulo, fazendo o mesmo percurso com os personagens, almejando que tudo dê certo. Terminei a leitura com aquela sensação de ter mesmo acompanhado os irmãos e o desejo forte de que essa história, na História, jamais volte a se repetir.