TUDO É RIO – Carla Madeira, Editora Record

Tudo é rio é um título muitíssimo emblemático, que aborda uma temática fortemente existencial.

Em se tratando de Literatura, as produções brasileiras nunca deixaram a desejar no cenário mundial, em nenhum momento de sua história. E, claro, muito menos agora, após um longo percurso, de intensas e de múltiplas produções. Tudo é rio, lançado em 2014, é o primeiro livro da autora mineira Carla Madeira, por[em tem recebido, nos últimos anos, um lugar de destaque. Por que será? Resolvi conferir.

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Inicialmente, já digo que ele é um daqueles livros que, entre tantas reações, nos fazem ter o peito inflado de orgulho de sermos brasileiros e de termos uma literatura que continua com belíssimas produções, a todo vapor. E se há produtos, é porque há consumidores, ou melhor, leitores e leitoras.

“Para que ninguém nunca, em tempo algum, se atreva a achar que é a vida que inspira os livros baratos, ela, a vida, sempre disposta a nos levar até a morte, expõe, mais cedo ou mais tarde, aos berros, sua avareza: felicidade em demasia é dívida que não se pode pagar.” (p. 28)

Tudo é rio é um título muitíssimo emblemático, que aborda uma temática fortemente existencial, eu diria, para tudo o que é a vida. É uma narração prenhe de sentidos vários e fala diferente a cada leitura. Efeitos, os mais diversificados possíveis, são continuamente provocados pelos jogos de palavras, todos ao nosso alcance. Um livro para ser lido com o coração? Talvez… Mas a razão também se faz necessária. Há temas polêmicos que pedem nossa reflexão e até nossa posição em relação ao fato. Como não se posicionar?

Encaro-o também como um enigma que, aos poucos, somos levados a decifrar, sem medo de sermos devorados. Nada de complexo. Ao contrário, surpreendente. Tem um título também provocativo, por isso mesmo instigante a cada instante, a cada cena, a cada personagem que nos é apresentado, uma vez que nos leva a procurar saber a respeito do “tudo” e do “rio”. O que simbolizam estes elementos e que espaços eles tomam em nossa vida, além do espaço em que estes se encontram no enredo. Vamos, aos poucos, procurando entender qual a relação entre os personagens e os fatos que os entrelaçam – comum em uma narração, porém neste, em uma sequência curiosa. É a maneira como este entrelaçamento se dá que faz desta história algo comum e, ao mesmo tempo, extraordinário.

“O que mais existe no mundo são pessoas que nunca vão se conhecer. Nasceram em um lugar distante, e o acaso não fará com que se cruzem. Um desperdício. Muitos desses encontros destinados a não acontecer poderiam ter sido arrebatadores.” (p. 109)

Logos nos afeiçoamos aos personagens, ou pegamos ranço. Tomamos suas dores, até mesmo esperamos por vingança ou, quem sabe até, podemos nos pegar imaginando o que faríamos no lugar daquele ou daquela vítima de determinada circunstância. Somos facilmente absorvidos, envolvidos em um mar de sentimentos, dos mais puros, aos mais devassos. Um enredo fascinante que envolve uma história de amor, de abuso sexual, de prostituição, de filicídio, de traição, de compaixão, de perdão. Uma coisa é certa: a leitura é fluida, igual águas que escorrem nos rios. Os líquidos, em suas mais variadas formas, escorrem pela história.

“A gente passa a vida pelejando com o dilema de existir ou desistir, com o que é bom e o que é ruim, certo e o errado, a morte e a vida. Essas coisas não se separam. O lugar que dói é o mesmo que sente arrepios. É no corpo no amor e na liberdade de escolher as coisas que a gente fica inteiro ou despedaçado.” (p. 138)

O livro é composto por 35 capítulos, seguindo uma sequência não linear da história, ou seja, em capítulos posteriores é que passamos a compreender os acontecimentos ou comportamentos dos personagens causadores do que estamos procurando entender. É um vitral, muitíssimo colorido, de personalidades distintas, comportamentos dos mais comuns aos mais extremos e sempre provocando em nós um “rio” de reações. É impossível, eu diria, não se identificar com algum dos personagens. Cenários distintos, mas que se entrecruzam: alguns lares, um puteiro, uma igreja. Cada qual com sua importância indiscutível na composição de uma trama em que oscilações entre desafios, inseguranças, realizações, frustrações, presentes a vida humana, fazem parte da nossa (re)construção. Ao término da leitura, deixa saudades. Passados uns dias, vem aquela vontade de ler outra vez e de falar sobre ele para os outros. Algo como isto que acabo de fazer. É ler para conferir este “mergulho”.

Marcos Tomé
Marcos Tomé
Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.

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