“Dom Casmurro” – por Marcos Tomé

O livro é uma excelente dica de leitura ou releitura nessa pandemia, e pode até ser baixado gratuitamente em diversos sites.

Autor: Machado de Assis – Editora: Principis – Páginas: 208

E se aquele livro, que você já leu, merecesse uma segunda chance? Ou você pode até nem ter lido, mesmo tendo comprado, não é mesmo? Tirando a possibilidade de ir a uma livraria física, considerando o distanciamento social, já adianto que este livro também pode ser encontrado em diversos sites e o arquivo pode até ser baixado gratuitamente. O que é uma excelente dica para este terrível período.

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Traçando uma relação entre a pandemia pela qual passamos e a leitura, tenho observado um comportamento curioso: a releitura de alguns clássicos. Isso mesmo! Sempre há em nossa estante, ou em nossos arquivos virtuais, aquele livro que já foi lido. Em se tratando de um clássico, uma curiosidade muito peculiar: a cada nova leitura, sempre haverá novas interpretações, novos olhares e surpreendentes visões em torno do que já visitado. Típico da literatura.

Por estas razões, a “Leitura Obrigatória” deste mês de maio traz para vocês, leitores, uma sugestão: a leitura (ou releitura) da obra Dom Casmurro, do célebre imortal Machado de Assis. Esta obra é um marco divisório na Literatura Brasileira, justamente por trazer temáticas nunca antes abordadas nas produções nacionais e, dentre outras coisas, por ser estruturada dentro de uma perspectiva em que o narrador, no decorrer da narrativa, reporta-se ao leitor, interagindo com ele. Sempre de forma irônica, sarcástica, crítica. Aliás, este é um diferencial nas produções de Machado de Assis.

Vamos à obra? Bentinho (Bento Santiago), e Capitu (Maria Capitolina) são criados juntos e se apaixonam na adolescência. Porém a mãe dele, por força de uma promessa, decide enviá-lo ao seminário para que se torne padre (uma crítica à instituição religiosa). Lá o garoto conhece Escobar, de quem fica amigo íntimo. Algum tempo depois, tanto um como outro deixam a vida eclesiástica e se casam. Escobar com Sancha, e Bentinho com Capitu. Os dois casais vivem tranquilamente até a morte de Escobar, quando Bentinho começa a desconfiar da fidelidade de sua esposa e percebe a assombrosa semelhança do filho Ezequiel com o ex-companheiro de seminário.

O narrador inicia o livro justificando o título e por que resolveu escrevê-lo. Chama-se Dom Casmurro, pois foi um apelido dado ao personagem principal, Bento Santiago, e diz que escreve por falta do que fazer. Sobre seu próprio nome, o narrador dirige-se ao leitor, esclarecendo:

“Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo.”

A narrativa traz diversos outros momentos de interação entre narrador e leitor. Marca registrada das produções “machadianas”.

Como o romance é narrado em primeira pessoa por Bento, esta opção permite ao autor manter no espírito do leitor a dúvida quanto à fidelidade de Capitu. Porém, é preciso acentuar que o tema principal de Dom Casmurro não é o adultério. Este, se aconteceu, é de importância secundária, inclusive para o próprio autor, Machado de Assis. A traição ou a não-traição de Capitu funciona como meio para as observações do autor, ao menos em parte, sobre as razões pessoais ou íntimas da conduta do homem.

Outra característica muitíssimo interessante da obra é sua divisão. Cada capítulo aparece como uma peça de quebra-cabeças, ou como paredes em um labirinto. A história conta com a descrição pormenorizada de cada personagem que compõe o círculo social de Bentinho e de Capitu. Todos estão a ele diretamente correlacionados e, aos poucos, os mesmos irão compondo um intrigante mosaico.

Em minha experiência particular de leitor, percebi que somos conduzidos por uma veia investigativa, a ponto de até duvidarmos de algumas divagações do próprio Casmurro. O que é também muitíssimo instigante e nos faz adentrar, cada vez mais, por esse labirinto.

Muito mais interessante e inteligente do que o eventual adultério nesta narrativa é a construção, lenta e gradativa, na mente de Bentinho, da possibilidade de ter havido adultério. Capitu, com seus “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, é uma das mais bem construídas personagens da literatura mundial, tendo em vista sua extraordinária complexidade psicológica.

Enfim, Dom Casmurro é uma das melhores obras também na literatura universal; é um romance original, até mesmo no fato de que ele todo constitui-se em um flashback (uma recordação, lembrança do personagem que normalmente ocorre na narrativa). Nele, o talento de Machado de Assis alcançou o ponto mais alto de sua capacidade técnica e inventiva.

Agora é com você, “caro leitor”. Como diria o narrador machadiano. No mais, uma excelente leitura a todos!


Por Marcos Tomé – Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.
Marcos Tomé
Marcos Tomé
Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.

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