E se a aquisição de um livro (qualquer livro), ou a leitura do mesmo passasse a ser um dos maiores crimes em nossa sociedade, passível das piores punições, de acordo com as leis vigentes em nosso país?
Apareço pela primeira vez nesta coluna, trazendo para vocês uma dica de leitura mais que especial. Trata-se do livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, um dos clássicos da literatura distópica. Este nome tem como origem a palavra ‘distopia’ (ou antiutopia), uma filosofia que critica e satiriza as convenções sociais e o controle opressor do sistema. Os livros deste seguimento literário dialogam com os conflitos da sociedade contemporânea, tornando-os atuais em qualquer época que se leia.
Neste modelo social, há corrupção e regras abusivas em nome do bem-estar coletivo, ele sustenta uma falsa ideia de felicidade e perfeição, o que leva a uma sociedade completamente alienada. Geralmente se passa num futuro próximo e é muito semelhante a sociedade atual.
Fahrenheit 451 foi escrito após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1953 e revolucionou a literatura com um texto que condena não só a opressão anti-intelectual nazista, mas principalmente o cenário dos anos 1950, revelando sua apreensão numa sociedade opressiva e comandada pelo autoritarismo do mundo pós-guerra. Tudo é controlado e as pessoas só têm conhecimento dos fatos por aparelhos de TVs instalados em suas casas ou em praças ao ar livre. A leitura deixou de ser meio para aquisição de conhecimento crítico e tornou-se tão instrumental quanto a vida dos cidadãos, suficiente apenas para que saibam ler manuais e operar aparelhos.
O leitor atento começará a perceber que há inúmeros símbolos no decorrer doo enredo, começando pelo próprio título que não poderia ser mais sugestivo em relação à história: 451 graus Fahrenheit (ou 232,778 graus Celsius) a temperatura necessária para que um papel se queime. Ao fazer essa descoberta não tem como não achar o título genial.
A história tem como personagem principal Guy Montag, um bombeiro. Mas não do tipo que apaga incêndios. Ele os provoca. Para isso, basta que você tenha um único livro em casa e seja denunciado, ainda que anonimamente, para a companhia dos bombeiros cujo chapéu traz o número 451, no braço o desenho de uma salamandra e no peito, o disco de uma fênix. Ler não é permitido. É permitido apenas assistir a programas inúteis, desprovidos de cultura e ouvir músicas ou programas de rádio igualmente imbecilizantes.
Guy vivia sua vidinha de bombeiro, com a esposa, Mildred, quando, um dia, ao sair da Cia onde vive, enquanto voltava para casa conhece Clarice, sua vizinha adolescente. Ela é uma menina cheia de viva, alegria, mas é perigosa. Logo na primeira conversa com Guy ela faz com que ele comece a ter pensamentos conflitantes em relação à vida que acha que vive e a que deveria viver de verdade. O conflito também gera em torno da felicidade que Guy acha que sente e o que deveria realmente estar sentindo em relação aos acontecimentos, às pessoas, ao seu trabalho.
Então, ele percebe que, na realidade, ele não é feliz. Nem no casamento, nem no trabalho, nem na vida. Mas, o que fazer em relação a isso sem ser preso? Morto? E sua esposa? Correria perigo caso ele não fizesse ou não fosse mais quem ele é e passasse a ser quem ele realmente queria ser? Estes são os questionamentos que, no decorrer da leitura, aos poucos, passam a fazer parte do imaginário das leitoras e dos leitores que também se questionam a respeito da vida.
Por fim, vale a pena destacar que Fahrenheit 451 tornou-se um clássico não só na literatura, mas também no cinema. Em 1966, o diretor François Truffaut adaptou o livro e lançou o filme de mesmo nome estrelado por Oskar Werner e Julie Christie. Mas nada substitui uma boa leitura. Atenção!!! Só não vale ver o filme e sair por aí, dizendo que já leu o livro. O leitor autêntico sabe a diferença que há entre essas duas linguagens e formas de leitura. Um forte abraço e excelente leitura a todos vocês.