A metamorfose – por Marcos Tomé

Um enredo escrito em 1912, por Franz Kafka, que nos leva a profundos questionamentos.

É uma história de leitura fluida, curiosa, instigante. Aparentemente simples, mas que influenciou muitos movimentos artísticos como o surrealismo, o existencialismo e o teatro do absurdo. Poucos personagens, apenas um cenário, porém repleto de descrições tanto externas, quanto internas e a busca por nos fazer sentir o que se passa no que é narrado em três capítulos.

“Certa manhã, Gregor Samsa, ao acordar depois de sonhos agitados, viu-se em sua cama, transformado num monstruoso inseto.” Pág. 13

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Este é o pontapé inicial. Um enredo que nos leva a profundos questionamentos: Até que ponto o diferente me incomoda? Como sou incomodado pelo diferente? Por que o diferente me incomoda? De que maneira posso conviver com o diferente? Estes foram alguns dos questionamentos provocados em mim a partir da leitura desta obra. Confesso que relutei um pouco saborear esta leitura, mas fiz isso quando me senti atraído. Talvez até acho que essa relutância seja por conta do “diferente” contido na obra. E eu nem sabia do que realmente se tratava.

A história tem como protagonista o jovem Gregor Samsa, que trabalha como caixeiro-viajante e sustenta sua família: pai, mãe e irmã. Gregor acorda, certo dia, e percebe que já não era mais humano, mas um inseto monstruoso (uma barata). A partir desta constatação, ele percebe que a família já não agirá da mesma forma que antes, afastando-se dele, que se tornou uma criatura repulsiva, nojenta, asquerosa. E neste dia, por causa de sua demora a chegar no trabalho, consequência da “metamorfose”, o patrão já está em sua casa, querendo uma justificativa. Isso, claro, faz parte da literatura fantástica, ou seja, cabe no universo da ficção, onde tudo pode acontecer. Inclusive o impossível.

“Gregor tentou imaginar se algo semelhante ao eu lhe havia ocorrido não poderia acontecer um dia também ao gerente; de fato, essa possibilidade não poderia ser descartada.” Pág. 25

Foi escrita em 1912, a obra só foi publicada três anos depois. Este é o livro mais famoso de Franz Kafka. Boa parte da narrativa se passa em torno de alguns dilemas: primeiro, a autoaceitação de Gregor, após acordar e se encontrar daquela forma; segundo, a grande surpresa vivida pela família e a dúvida se aquele inseto, verdadeiramente, seria ou não o Gregor. E, aos poucos, a família percebe que não há outra explicação para que a criatura se encontre naquele quarto, uma vez que nele o jovem estava recolhido, descansando para começar mais um dia de trabalho.

“Uma vez, no decorrer da longa noite, foi aberta uma porta lateral e depois outra, até uma pequena fresta, mas foram rapidamente fechadas de novo; sem dúvida, alguém tinha sentido a necessidade de entrar, mas, refletindo melhor havia desistido.” Pág. 47

A obra, escrita em 20 dias, nos traz o grotesco diante da condição humana e faz, a nós leitores(as), percebermos que o que há de mais repulsivo pode fazer parte do nosso cotidiano e, o mais intrigante, pode morar sob o mesmo teto, fazer parte da nossa família, da nossa intimidade. Cabe aqui uma pergunta: Por que estranharmos tanto o outro – o que está fora ou distante de nós -, se o estranho, o abominável até, pode estar também em mim mesmo? Certo é que, na vida, passamos por “metamorfoses”. A existência exige isso: transformações. E nenhuma delas é igual. Como sempre, recomendo a leitura. Boa metamorfose para vocês!


Marcos Tomé – Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.
Marcos Tomé
Marcos Tomé
Graduado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba, é especialista e mestre em Língua Portuguesa (UFPB); também é professor de Língua Inglesa.

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