A estrela mais brilhante – por Natália Paiva

Conto homenageia vítimas da Covid e suas famílias.

Assim que abriu os olhos, Serena buscou o presente embrulhado ao lado da sua cama. O papel de presente era branco, meio sem graça, nem tinha fita embalando, mas a caixa era grande o suficiente para um… telescópio! Serena sorriu como a criança que descobre o presente mais desejado na manhã de Natal —que era exatamente o que ocorria.

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“Mamãe, papai! Olha o que o Papai Noel deixou pra mim!”. Serena se esforçava para segurar o objeto gigantesco, que quase escorria pelas suas mãozinhas, quando entrou no quarto dos pais.

“O que você acha de a gente colocá-lo no jardim, para quando chegar a noite a gente desbravar cada pedacinho do céu?”, o pai sugeriu. E lá foram eles, posicionando o belo instrumento com a lente para o alto.

O dia demorou a passar. Almoço na casa dos tios, brincadeiras com os primos no parquinho, desenho a lápis de cor no chão da sala, lanche de tarde com pipoca e sorvete na varanda… até que finalmente a noite chegou. Era hora de estrear o novíssimo telescópio, então pai e filha se dirigiram ao jardim.

A primeira coisa que eles viram foi uma pequena constelação que Serena já conhecia: Cruzeiro do Sul, formada por cinco estrelinhas bem brilhantes. Depois, viram as crateras da Lua, os anéis de Saturno e um pequeno ponto avermelhado —Marte. Serena fazia pequenos “uaus”, enquanto o pai apresentava estrelas,
satélites e planetas.

De repente, a menina parou o telescópio num ponto brilhante e tirou o olho do ocular. “Acho que encontrei!”

Seu pai sorriu e perguntou o quê.

“A vovó. Encontrei a estrela mais brilhante de todas. Acho que é ela!”

O pai ficou parado, seus olhos começaram a brilhar também. Sem entender por que o pai não se mexia, Serena achou por bem convencê-lo: “Lembra que você me disse que quando as pessoas morrem elas viram estrelinhas lá no céu? Então, aquela ali eu acho que é a vovó. Ela é tão brilhante. Tão bonita. Vem ver!”

Depois de voltar para o ocular, para olhar a estrela mais brilhante de novo, Serena lembrou de quando a vovó penteava seu cabelo, com o garfo grande para não machucar nem estragar os cachos, e colocava uma presilha em formato de estrela, cheia de pequenos brilhantinhos. Serena lembrou das estrelas no papel de parede da vovó, que sempre estava no fundo das chamadas de vídeo que elas faziam, desde que deixaram de se ver. Serena também lembrou do vestido que a vovó enviou por correio no seu aniversário deste ano: vermelho com estrelas prateadas.

E então, Serena mexeu o telescópio e viu um vulto de luzes coloridas, quase holográficas, tingindo de magia e cor o céu escuro. “O que é isso, papai?” O pai passou a mão pelos olhos molhados e se curvou para olhar no telescópio.
“São nebulosas. As nebulosas são nuvens formadas por um montão de coisas, poeira cósmica e gases que se soltam quando uma estrela morre”, disse o pai já se afastando do telescópio, olhando de volta a filha que parecia gelar. Agora eram os olhos da menina que brilhavam e ela só conseguia murmurar: “estrelas… também morrem?”

Papai pegou Serena no colo: “Eu tinha dito que a vovó tinha virado estrelinha, mas não é exatamente isso. Fiquei com medo de falar morrer, porque a gente fala morrer e parece que é o mesmo que acabar, mas na verdade não é, é seguir de outro jeito. A estrela segue em luz e cor, como a vovó vai seguir no seu cabelo, igualzinho ao dela”, e aí o pai enrolou o dedo nos cachos da filha, “no seu nariz”, e lhe deu um beijo na pontinha, “no seu sorriso”. “As pessoas que a gente ama, como o brilho das estrelas, nunca acabam; elas continuam na gente. Que tal a gente homenagear a vovó e chamar essa estrela tão brilhante de Vovó Nainha”?

Serena voltou para o ocular e para a estrela e sorriu. Vovó Nainha, a estrela mais brilhante de todas, estará sempre com ela.

[Este conto é uma homenagem às mais de 600 mil vítimas de Covid e suas famílias, que vão ficar para sempre com a lembrança e o brilho desse amor.]


Natália Paiva – escritora e mestre em Semiótica pela PUC-SP, é autora dos livros infantis “Martim Barulim” e “A Incrível Serena contra o Temível Aspiraldo”, ambos pela Editora Solisluna (solisluna.com.br). Trabalha com políticas públicas e tecnologia

Redação
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